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Usucapião – Como legitimar a posse de um bem?

Finanças Pessoais

Usucapião – Como legitimar a posse de um bem?

5 min Partilhar 15 de Dezembro, 2021

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usucapião

A usucapião permite que alguém se torne proprietário de um bem móvel ou imóvel apenas pelo seu uso e posse continuada. Mas existem prazos e limitações. Neste artigo deixamos algumas luzes sobre o que é a usucapião.

O que é a usucapião

A palavra vem do latim, resultando da união de duas palavras “usu” e “capere”, ou seja, tomar pelo uso. E a usucapião é isso mesmo. É a aquisição da propriedade de um bem, ou seja, tornar-se proprietário efetivo de um bem, com o fundamento na sua posse por um longo período de tempo, se não houver contestação e for do entendimento geral que o bem lhe pertence.

Dito de outra forma, terá direito de invocar a usucapião de um bem, e por isso tornar-se seu dono de forma legal quem tiver tido a posse e usufruído desse bem durante um longo período. Não tendo o seu legítimo dono exercido o direito de propriedade este prescreve passando para a pessoa que invoca a usucapião.

A usucapião encontra-se regulamentada no Código Civil

A usucapião encontra-se regulada pelo Código Civil nos artigos 1287º a 1301º. A sua definição consta do artigo 1287º onde se estipula que: “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião.”

Uma vez invocada a usucapião, a posse inicia-se a partir da data do seu início. No entanto, esta tem de ser pública e pacífica. Ou seja, o bem tem de ser reconhecido, por todos, como pertencente ao possuidor sem gerar qualquer conflito. Ou seja, se tem um bem desde 1 de janeiro de 2000 e evocou a sua usucapião depois de passados 20 anos, o bem é considerado como seu desde dia 1 de janeiro de 2000, se não houver quem o conteste.

O prazo para a invocar depende de vários fatores

O prazo para invocar a usucapião, e ficar assim proprietário do bem, difere conforme o tipo de bem em causa. Ou seja, de ser um bem móvel ou imóvel, de ter ou não título de aquisição e registo, e o facto de existir ou não má fé na invocação da mesma.

Note que estar de má fé no momento em que invoca a usucapião é saber que o bem cuja posse reclama pertence a outra pessoa, e ter começado a utilizá-lo aproveitando-se da ausência ou desconhecimento do real proprietário. Pelo contrário estar de boa-fé é julgar, com boas razões para isso, que o bem não tem nenhum proprietário legal.

Entende-se como título de aquisição a prova de que o bem lhe foi vendido ou doado. A situação mais vulgar que está na base da ausência do título de aquisição é o facto de no passado, terem sido efetuados com frequência negócios meramente verbais, como por exemplo compras e vendas, doações e partilhas.

O registo da propriedade do bem deve ser feita na conservatória correspondente após a sua aquisição, mas acontece que, pode não ter acontecido por circunstâncias várias. Note, por exemplo, que o registo das propriedades só passou a ser obrigatório a partir de 1974 pelo que muitos imóveis não têm registo predial, existindo muitos omissos na matriz.  Existem ainda registos incompletos pelo que pode o título de aquisição mencionar um vendedor que não consta com dono no registo do bem.

Usucapião de bens móveis

De uma forma simples podemos dizer que para bens móveis sujeitos a registo, como automóveis, barcos e aviões, existindo título de aquisição e registo, a usucapião pode ser invocada ao fim de dois anos de posse se o possuidor estiver de boa fé e quatro anos se tiver de má fé. Não existindo registo, a usucapião acontece quando a posse durou 10 anos independentemente da boa ou má fé (artigo 1298º)

Para bens móveis não sujeitos a registo, a usucapião dá-se quando a posse, de boa fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou quando, independentemente da boa fé e de título, tiver durado seis anos (artigo 1299º);

Usucapião de bens imóveis

Para bens imóveis que tenham título de aquisição e registo, a usucapião tem lugar quando a posse de boa fé tiver durado 10 anos, desde a data de registo. Se houver má fé prazo é de 15 anos (artº 1294).

Para bens sem título de aquisição (ou seja escritura de aquisição) mas apenas registo de mera posse, a usucapião acontece, existindo boa fé, ao fim de 5 anos e de 10 nos casos de má fé.

Não existindo registo do título nem da mera posse, acontece ao fim de 15 ou 20 anos, conforme haja boa fé ou má fé respetivamente.

Registar um bem invocando a usucapião – escritura de justificação notarial

Se não tem uma escritura que comprove que o imóvel é seu, não poderá registá-lo em seu nome. Ou seja, não pode registar a aquisição do imóvel a seu favor. E não estando o imóvel registado em seu nome não pode, por exemplo, vender, hipotecar ou arrendar. Assim terá de fazer uma escritura de justificação notarial, só com este documento poderá registar o imóvel como sendo seu.

Esta escritura de justificação notarial é, assim, utilizada na invocação da usucapião por quem detém a posse de um imóvel para legitimar o seu direito de propriedade e não tenha documentos que o provem.

É mais comumente aplicada em três situações:

  • O imóvel está omisso na matriz no registo predial, mas existe nas Finanças. O seu proprietário adquiriu-o há pelo menos 20 anos, mas não tem o seu título de aquisição (escritura).
  • O proprietário tem o registo de aquisição, mas o imóvel está registado na conservatória a favor de outra pessoa que não o que a vendeu e não tem em seu poder a prova da transação intermédia. Com a escritura de justificação notarial será feito o denominado reatamento do trato sucessivo e legitimada a posse
  • O proprietário adquiriu o terreno de forma meramente verbal a pessoa distinta daquela que consta no registo predial, que por sua vez transmitiu também verbalmente à pessoa que lhe vendeu. Neste caso também não existe qualquer título formal mas através da justificação estabelecer-se o trato sucessivo nas diversas aquisições.

Na posse da escritura de justificação notarial poderá proceder ao registo do imóvel em seu nome numa conservatória do registo predial. O mesmo se aplica aos bens móveis com as devidas adaptações.

Um exemplo

O Sr. Manuel começou a tratar de um terreno que se situava perto do seu, que estava abandonado e desconhecendo quem poderia ser de facto o seu dono. Começou a cultivá-lo em 2000. Nunca ninguém se opôs a que o fizesse ou veio dizer-lhe que era o proprietário do terreno. Assim, perante todos os vizinhos o terreno é de facto do Sr. Manuel.

Hoje ao fim de 21 anos de uso ininterrupto do terreno, o sr. Manuel pode registar o terreno em seu nome.

Para registar o terreno em seu nome e tomar a sua posse efetiva, o sr. Manuel devera:

  • Levar uma planta do terreno com a área e as confrontações às Finanças para pedir a sua inscrição na matriz
  • Dirigir-se ir à Conservatória do Registo Predial e pedir uma “certidão negativa”, ou seja, o documento que comprova que o terreno não está registado
  • Por fim ir a um Notário para a celebração da escritura de justificação notarial, levando 3 testemunhas que comprovem que o Sr. Manuel sempre cultivou o terreno, ou seja comprovar a relação do Sr. Manuel com aquele terreno.

A escritura será publicada num jornal de expansão nacional ou local e, se ao fim de 30 dias contados após a publicação, ninguém reclamar, o Sr. Manuel pode considerar-se dono do terreno.

Terrenos e heranças sem habilitação de herdeiros são os casos mais comuns de aplicação da usucapião

Os terrenos ou prédios rústicos por serem bens imóveis dos quais muitas vezes não existe registo predial, são os bens onde mais se aplica a usucapião. Também em casos de heranças em que não se procedeu no devido tempo à escritura de habilitação de herdeiros, a usucapião torna-se uma forma expedita dos herdeiros legalizarem a posse dos bens.

Não existe a usucapião em bens arrendados ou emprestados

Se vive numa casa arrendada ou emprestada por um amigo, ou se usa o carro que um amigo lhe emprestou não pode nunca tomar a posse desse bem, independentemente do tempo em que usa o bem. Isto porque existe um contrato escrito (no caso do arrendamento) ou verbal (no caso do empréstimo) que impossibilita que legalmente tal aconteça.

Reverter a situação

Se sobre um bem seu (móvel ou imóvel) alguém invocou usucapião de forma ilícita pode avançar com uma ação judicial e com isso solicitar que o mesmo seja revertido a seu favor. Em qualquer dos casos, sugerimos sempre que consulte um advogado da sua confiança para esclarecer estes e outros assuntos.



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